IVAN MARTINS
editor executivo da Época
Certa vez, faz algum tempo, eu estava num show de música quando uma moça perto do palco gritou umas palavras amorosas para o cantor. Não me lembro do que ela disse, mas recordo perfeitamente da reação da minha acompanhante. Ela ajeitou o cabelo, deu um sorriso maldoso e falou alto o suficiente para que todos em volta escutassem: "Coitada, acho que não tem homem em casa".
Naquele momento eu percebi duas coisas. Primeiro, como a minha companheira podia ser cruel quando se tratava de outras mulheres. Segundo, que a minha presença ao lado dela representava uma espécie de passaporte. Ao contrário da "coitada" que gritava na beira do palco, ela tinha um homem em casa.
Tenho falado sobre isso com amigos e amigas e a conclusão é sempre a mesma: a importância social de ter um par é muito maior para as mulheres. Homens sozinhos costumam ser infantis e autodestrutivos, mas transitam socialmente sem constrangimentos. Mulheres sozinhas atraem a atenção dos chatos e dos críticos – e parecem elas mesmas desconfortáveis no papel de solitárias. Quando não são claramente discriminadas.
Uma amiga me disse que quando estava separada não era convidada nem para as festas dos amigos. As outras mulheres se sentiam ameaçadas por aquela fêmea bonita e disponível que podia atrair a atenção dos maridos delas.
Para contornar o preconceito, inventam-se truques. Tenho um amigo quarentão que vira e mexe é convidado para o papel de "cavalheiro de companhia". Quando as amigas solteiras têm uma festa de família ou evento da firma, levam com elas aquele grisalho elegante como uma espécie de adereço social de 90 kg. Com ele por perto, ninguém vai dizer que estão sozinhas.
Em outras classes sociais, a situação é diferente, mas parecida.
Tive uma faxineira cujo marido aprontava o diabo – vira e mexe sumia, enroscado num rabo de saia. A coitada pagava até despacho para ter o safado de volta. Um dia, cansado de ouvir a mesma queixa, perguntei por que ela não mandava o sem vergonha passear. "Não posso", ela disse. "Lá onde eu moro, mulher sem homem em casa perde o respeito." Talvez ela estivesse exagerando, mas parecia verdade.
Na classe média, a necessidade de proteção não existe. Tampouco existe a necessidade econômica do provedor. As mulheres trabalham e ganham cada vez melhor. Por volta dos 30, boa parte delas terá casa, emprego e independência. Serão lindas e donas do seu nariz. Mas, se não tiverem parceiro, a vida pode lhes parecer um lixo – embora seja, sob vários aspectos, melhor que a vida das mulheres casadas, sobretudo as que têm filhos. Para não estarem sós, mulheres bacanas frequentemente se sujeitam ao convívio de homens muito abaixo delas em inteligência, cultura e caráter.
Para ser justo, homens também sofrem de compulsão do acasalamento. Mesmo o mais insensível garanhão acaba se rendendo à sensação de que precisa de alguém. Já ouvi de vários amigos, em várias idades diferentes, que tinham "feito de tudo" e que sentiam vontade de sossegar. Se eles sossegaram ou não, é outra história. Mas em algum momento acharam que era necessário.
A diferença, a meu ver, é que nos homens o desejo de formar um casal parece vir de dentro, é fruto da solidão, enquanto nas mulheres há uma força importante que age de fora para dentro. Não há o equivalente masculino de “ficar para tia”. Do contrário: o sujeito que permanece na farra é visto com inveja pelos outros homens. É o cara que "sabe viver".
Com as mulheres tudo parece diferente – talvez por culpa delas mesmas. Talvez as mulheres brasileiras do século 21 devessem aprender a resistir à pressão social do século 19 para exibir um homem. Por que elas não podem ir ao bar ou à festa da firma sozinhas? As argentinas fazem isso. As européias fazem isso. Não há um imperativo biológico de andar em par.
Outro dia, um amigo que viveu em Angola me contou que lá os homens poderosos têm, além da mulher, um número elevado de amantes públicas. Todo mundo sabe e todo mundo aceita. Cada uma das mulheres, eu imagino, tem o seu pedaço do homem importante, socialmente falando. Parece coisa de sociedade atrasada. Duvido que acontecesse na Escandinávia, onde as mulheres têm poder. Talvez seja, na verdade, um indicador de desenvolvimento social: quanto mais pobre, quanto mais atrasada uma sociedade, mais a mulher precisa de um homem para chamar de seu, simbólica e economicamente.
Naquela noite do show, quando a moça gritou e foi tratada com tanto desprezo, eu saí com a sensação de que a minha companheira era mais frágil do que eu imaginava. Tive a súbita impressão de que ela estivera muitas vezes na posição solitária da outra, e que agora, acompanhada, parecia se vingar com um comentário vulgar. De repente me pareceu que a mulher que eu imaginava altiva e auto-suficiente era apenas uma fêmea aliviada por ter um macho para exibir no teatro. Tive na hora um sentimento forte e confuso que só mais tarde fui capaz de entender – era vergonha dela.
(Ivan Martins escreve às quartas-feiras.)