Especialistas debatem: será que todas as formas de amar valem a pena?
Biológica e culturalmente, nascemos homens e mulheres, seres fisicamente diferentes e definidos aos olhos da sociedade. Feitos um para o outro, homem e mulher seriam as metades da mesma laranja. A sociedade ensina que homem tem que se relacionar com mulher e vice-versa. Entretanto, o comportamento de cada um vai se moldando ao longo do tempo e sofre influências bio-psico-sociais. Resultado: nem oito nem oitenta. Tradições dão lugar a novos valores surgidos a partir de grupos que se formam batendo de frente firmemente com o que a sociedade impõe. A opção sexual, por exemplo, ganhou relevância no contexto social moderno. E a bissexualidade ganhou espaço não só nas rodas de discussão. A moda agora é ser flex.
A juventude de hoje vê na sexualidade uma forma de dar o grito de liberdade. "Estamos aceitando a diversidade. Permitimos que as pessoas ‘diferentes' do padrão imposto socialmente saiam de seus casulos e assumam seus desejos. Isto é um ganho individual e social. Provavelmente, num futuro próximo, muitos dirão: estou bissexual, e não sou bissexual", diz a terapeuta sexual Franciele Minotto. Mas, quando se trata da sexualidade, muitos ainda arregalam os olhos se o assunto é ser bi.
Descobrir-se bissexual é uma questão que está intimamente ligada à relação com o mundo que cada um tem. A cultura tem um papel fundamental na definição dos papéis sociais. É a partir dela que se define o conjunto de comportamentos considerados adequados às pessoas. Com a bissexualidade é a mesma coisa. "Ao identificar-se como bissexual, o indivíduo é inserido em um circuito de relações sociais que envolve moda, comportamento, formas de linguagem, freqüência a lugares específicos", explica o sociólogo e pesquisador Rodrigo Rosistolato.
Resolvidos os traumas, aparadas as arestas internas e definido o que é atração real e o que é simples curiosidade, vem a "saída do armário". E a decisão de assumir-se só o próprio indivíduo pode tomar. A honestidade, pregada pela sociedade, esbarra em aspectos pessoais, profissionais e familiares. Esta apresentação para o mundo pode vir acompanhada por momentos difíceis. A mestre em Psicologia Clínica Thays Babo acredita que o autoconhecimento pode ajudar na hora da escolha. "O armário bi tem duas portas: uma para homossexualidade, outra para a heterossexualidade. E abrir ambas ao mesmo tempo requer muito mais do que coragem: requer auto-aceitação, auto-entendimento. Afinal, é duplamente difícil se assumir como gostando de ambos os sexos - por vezes indistintamente, por outras com alguma preferência", explica.
A especialista não acredita que o ambiente influa na orientação sexual. Para ela, o seu papel é outro. "O ambiente é fundamental para a aceitação negação ou repressão - o que equivale dizer que o ambiente influencia no "comportamento sexual". É muito diferente e mais fácil se assumir homo ou bi em uma grande cidade, em que há um anonimato, não se precisa dar conta da sua vida sexual para família, comunidade etc", ressalta.
O mais famoso defensor da bissexualidade humana foi o pai da psicanálise Sigmund Freud, que dizia que todos nascem com plena possibilidade de serem bi, mas as experiências e a relação com a sociedade vão moldando a sexualidade humana. "Ser ou não ser bissexual não é uma escolha consciente. A orientação sexual não é algo que se escolhe, é algo que se vive, acontece!", ratifica a terapeuta Franciele Minotto.
Alguns atribuem a mudança na orientação sexual às experiências sexuais iniciais. Mas parece que a influência não é tão direta. "Cada história é uma história. Cada indivíduo interpreta suas iniciações e vivências sexuais a seu modo. Alguns jovens iniciam a vida sexual com colegas do mesmo sexo, mas acabam tornando-se exclusivos heterossexuais ao longo da vida, alguns descobriram sua bissexualidade após a vivência da exclusiva heterossexualidade. Assim, não há regras", afirma a Dra. Franciele.
Porém, a descoberta da bissexualidade não é um mar de rosas para todos. Para alguns é um verdadeiro susto. "A pessoa se questiona, acha que está confusa, tem dificuldade de aceitar que bissexualidade existe e não é doença ou desvio de caráter - como grande parte da população acha, ainda no século 21", conta Thays.
A aceitação da bissexualidade, tanto por parte do bissexual quanto de quem o rodeia, pode ser um processo lento e doloroso. O medo de ser diferente pode impedir a decisão de se mostrar para todos. Por isso há indivíduos que ficam por muito tempo "em cima do muro", adotando o comportamento que lhe convier, dependendo do grupo em que está inserido.
Depois de todas as pontuações, a pergunta que não quer calar é: bissexualidade existe mesmo ou é lorota? A resposta é simples. Existe sim, e há muito mais bissexuais do que se imagina. Aliás, tem gente que é e nem desconfia.... "Talvez apenas um terço dos bissexuais tenha algum contato sexual efetivo com parceiros de ambos os sexos. Mas poucas vão abrir isto e se identificar como bissexuais", afirma a psicóloga.
Segundo a terapeuta sexual Franciele Minotto, teoricamente, o que define nossa orientação sexual não é nossa prática sexual e sim nossa atração. "Bissexual é o indivíduo que se sente atraído por pessoas do mesmo sexo e do sexo oposto (ambos os sexos), no entanto, não necessariamente precisa fazer sexo com o mesmo sexo e/ou com o sexo oposto", explica a especialista.
Autora do livro "Bissexualidade: invisibilidade e existência", prestes a ser lançado, Thays Babo concorda. "Apesar de a sexualidade ser definida freqüentemente como um contínuo - com heterossexualidade (atração exclusivamente por membros do sexo oposto) em uma extremidade, e homossexualidade no outro (atração exclusivamente por membros do mesmo sexo) - no meio estão pessoas que têm atração por membros de ambos os sexos. Podem ser desejos ocasionais (fantasias, sonhos)", explica a especialista. E ela continua: "Determinar o que faz o desejo surgir é uma tarefa que psicólogos têm se dedicado e ainda não conseguiram decifrar. Há quem busque causas biológicas, hormonais, outros falam de contexto familiar ou social".
Isso prova que a bissexualidade pode estar muito mais presente do que imaginamos. De acordo com a Dra. Franciele, o Estudo da Vida Sexual do Brasileiro, coordenado pela Dra. Carmita Abdo, aponta que a prevalência de bissexuais entre as mulheres é de 0,9% e 1,8% entre os homens, variando conforme a faixa etária. Nas mulheres entre 18 a 25 anos a prevalência é de 1%, já nas acima de 60 anos é de 0,8%. Entre os homens na faixa etária de 18 a 25 anos é de 2,1%, nos acima de 60 anos chega a 0,4%.
O sociólogo Rodrigo Rosistolato ressalta que as estatísticas só incluem as pessoas que escolhem declarar a bissexualidade como opção ou orientação sexual. "As pessoas que praticam a bissexualidade, mas não a declaram, não constam em qualquer estatística. A filósofa Elisabeth Badinter chama atenção para o efeito que classificações como heterossexual, homossexual, bissexual exercem nas pessoas. Quando classificadas desta forma, as pessoas passam a ser vistas exclusivamente a partir de seus desejos sexuais, o que cria, em muitos casos, intensos processos de rotulação e estigmatização", lembra.
É bom ressaltar que assim como os homos e heteros, os bi não carregam um neon piscando na testa. Não existem diferenças comportamentais. Sua busca é como qualquer outra. São seres humanos em busca de amor, carinho e afeto, mas que têm atração por ambos os sexos, já que homens e mulheres oferecem satisfação. "Não há como diferenciarmos um bissexual na balada ou num bar. Todos flertam, paqueram se insinuam em busca do prazer. A diferença é que tanto um belo homem, como uma bela moça podem ser o alvo da paquera", afirma Franciele Minotto.
Ainda não existe nenhuma comprovação científica de que há fatores genéticos envolvidos na orientação sexual, mas um conjunto de influências está presente. "Não há genes a pesquisar para saber se temos a ‘tendência' ou não. O maior teste é a vida. A sexualidade é um fenômeno biológico, psicológico, social e emocional. As interações da genética, do ambiente, dos ganhos e perdas sociais é que formam a personalidade do indivíduo, suas buscas e traumas são herança de algo que tem significado apenas e tão somente para ele", ressalta a terapeuta.
A psicóloga Thays Babo vai mais além. "Espero que nunca encontrem algum gen relativo à orientação sexual, pois um casal homofóbico, por exemplo, pode querer investigar isto durante a gestação e querer abortar, por exemplo. Planos de saúde podem querer preços diferenciados, por exemplo, para as diferentes orientações sexuais. Já pensou?", questiona.
Se ser ou não ser é a questão, a escolha entre as possibilidades só depende de cada um. Mesmo com toda reviravolta social e liberdade sexual, ainda há quem pense que a homossexualidade ou bissexualidade seja uma doença. E Thays Babo avisa: "Muito tardiamente a Medicina e a Psicologia aceitaram que a orientação sexual, por si só, não aponta nenhum transtorno de personalidade e nem patologia. Frente a um psicólogo ou psicóloga que manifeste preconceito ou tente ‘reverter' a orientação sexual, cabe uma denúncia ao Conselho, para que o profissional seja advertido".
E para aqueles que estão em cima do muro, a saída é relaxar e deixar a vida fluir. "Não mandamos em nossa atração sexual, ela surge e o resto é com você! A bissexualidade não é tão ruim quanto parece. Lembre-se que aumenta a possibilidade de encontrar o par perfeito", incentiva a Dra. Franciele.
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